As férias estão no fim, é oficial.
No sossego do lar, os últimos cartuchos são passados no sofá da sala. Como lar que se preze, em frente a um sofá tem de existir um televisor e para o degredo ser em pleno esse televisor tem de exibir a programação da tarde da televisão nacional.
(aparte: acabei de ver passar na rua um motociclista sexagenário que conduzia de boca aberta. Não me parece grande ideia porque desconfio que vai chegar ao destino com a barriga cheia… de asaaaaas, como diria o touro vermelho.)
Quando eu me lembro que a grande Júlia Pinheiro já teve uma das suas tardes dedicadas ao cocó - e desta vez de uma maneira literal e não apenas metafórica - onde a mensagem principal a reter era algo como “se a tua tripa ou arredores tiver algum problema, pode ser importante olhar prá caca que tens estado a fazer” (gosto mais de utilizar uma outra palavra em vez de caca, mas para o efeito posso assegurar que a merda é a mesma) surge o canal privado da concorrência a estrear um programa a transmitir em directo um parto!! Um parto, minha gente!! Uma cesariana (vá lá!!). Fiquei petrificada e um bocadinho incomodada mas ao mesmo tempo atenta ao que se estava a passar ali diante dos meus olhos. Porquê??
Primeiro: fiquei muito desiludida por ficar a saber que afinal os bebés não são trazidos por cegonhas de Paris. A comunicação social podia ter dado essa notícia de uma maneira mais subtil, não? :P
Segundo: eu, que nunca pari ninguém, parto do pressuposto que aquele momento é de extrema importância para a mamã e que essa importância é proporcional ao nível de intimidade do mesmo. Tanto que há por aí almas que são apologistas de que as horas pequeninas se passem em casa (coisa que também não concordo, e se há pessoa que pode discordar de partos fora de ambiente hospitalar sou EU!). Mas hoje aquela senhora decidiu que todo o Portugal merecia ver a sua barriga aberta… quer dizer, quase todo o Portugal…porque eu vi a criatura nascer, mas em compensação o recém papá não. Awesome.
*momento dramático-imaginativo* “É que era só o que faltava! O meu marido que se aguente no corredor! Ai de quem o meter aqui dentro! Desfaço-o! É um medricas, sempre que vai tirar sangue desmaia e se acorda com o nariz a pingar já acha que está com gripe suína. Prefiro que esta repórter que eu nunca vi mais gorda me segure a mão. E quando chegar a casa vou poder trocar impressões sobre a minha performance passiva de hoje com a minha vizinha do 2º esquerdo.”
Terceiro e último: o método da coisa. Eu conhecia a teoria da cesariana, mas confesso que nunca tinha visto uma em directo. Por acaso já vi um parto normal e dispenso ver mais algum seja de que maneira for, mas uma cesariana numa tv nacional, às 17h, nunca. Na sala de espectáculo, estavam uma meia dúzia de profissionais que deviam ser seguramente um(a) obstetra, um(a) anestesista, uma enfermeira parteira (“parteira abortadeira”, como dizia o Aleixo) e mais pessoal de enfermagem, digo eu, uma repórter e uma mega barriga aberta besuntada em Betadine.
Agora acompanhem a imagem: a médica está a abrir caminho em direcção ao alvo, de bisturi em punho, e quando avista o bebé põe a mão de látex pelas entranhas da mãe adentro, escarafuncha um bocado como quem tira a rifa premiada da tômbola e XARAM! Saca uma cena ligeiramente arroxeada de lá que parece uma hérnia gigante mas que afinal é um ser humano que passado um minuto berra que se farta (e sabe-se lá quando se vai calar!). Separam-nos, esfregam o dito cujo, embrulham-no, fecham a parturiente e já está.
No final da reportagem estava tudo muito emocionado… Um verdadeiro momento Fátima Lopes (a santinha, não a estilista).
Fiquei a pensar que a Natureza é mesmo prodigiosa e perfeita porque nos elimina as memórias dos nossos primeiros momentos de vida e ao mesmo tempo nos dá mães cujo primeiro enorme acto de coragem enquanto mães é pôr-nos neste mundo.
Para não ter mais surpresas, preferi desligar o televisor.
Rais’ parto.